Diferenças no estudo do cérebro de leitores de braille

Estudo do cérebro: Diferenças na utilização do cérebro, observadas entre leitores de Braille, trazem nova luz ao estudo do processamento mental da linguagem

Quando lemos palavras como sol ou estrela, que imagem mental associamos a estes sons e a estes significados?
Depende um pouco da forma como os construímos mentalmente, mas não há dúvida de que sempre que lemos estas palavras, o nosso cérebro vai ao “lugar” das imagens para localizar as que lhes correspondem.
E quando o leitor é cego? A expectativa é que as áreas do cérebro envolvidas na leitura sejam diferentes.
No entanto, para surpresa dos investigadores, os cegos congênitos, quando estão a ler Braille, usam as mesmas áreas “visuais” do cérebro que as outras pessoas que perderam a visão em diferentes fases da vida – e que por isso dispõem de memórias visuais que podem ser associadas ao uso de muitas palavras -, mas fazem-no de forma diferente.
Esta conclusão é sustentada por um estudo desenvolvido pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, e publicado na revista científica Human Brain Mapping, um resultado que ajuda a perceber melhor a relação entre o pensamento e a linguagem e a forma como o nosso cérebro se adapta às lesões.
Há cerca de duas décadas, a maioria dos neurocientistas achava que um cérebro adulto tinha muito pouca capacidade para se reorganizar na seqüência de lesões graves ou depois do sistema nervoso periférico – que lhe fornece a informação sensorial – ser afetado.
No entanto, desde há alguns anos que se percebeu que tanto os cérebros adultos como os cérebros em desenvolvimento dispõem de maior flexibilidade do que se pensava, uma capacidade que pode ser avaliada precisamente pelo estudo da organização mental de pessoas que perderam a visão em idade precoce.
“Sabíamos que o desenvolvimento do sistema visual ocorre nos primeiros anos de vida.
Por isso, decidimos avaliar se a existência ou não de referências visuais, no início da infância, condiciona as zonas do córtex cerebral que são ativadas, quando pessoas com grandes deficiências visuais lêem Braille”, disse ao EXPRESSO Peter Melzer, um dos cientistas que conduziu a investigação
.
Já em 1996 um cientista japonês, N. Sadato, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, captou imagens obtidas por Tomografia de Emissão de Positrões (PET, da sigla em inglês), de cérebros de diversos indivíduos cegos, que mostravam atividades em zonas do córtex cerebral, enquanto liam Braille.
Contudo, não se conseguiu perceber que percentagem desta atividade podia representar ativação de memórias do córtex visual que os indivíduos tinham adquirido antes de terem cegado ou, por outro lado, uma readaptação de áreas “visuais” do cérebro que aprenderam a lidar com informação táctil.
Para tentar responder a esta questão, a equipa de Peter Melzer e Ford F. Ebner, ambos professores de Psicologia, com o apoio do Departamento de Radiologia de Vanderbilt, usaram imagens obtidas por Ressonância Magnética Funcional (FMRI), uma técnica que identifica as áreas do cérebro que são ativadas medindo as alterações induzidas no fluxo sanguíneo.
Foram recrutados cinco homens e cinco mulheres, metade dos quais cegos de nascimento, enquanto os restantes perderam a visão precocemente.
Foi-lhes pedido que lessem e descansassem, de modo a que os investigadores pudessem perceber que áreas eram ativadas em resposta ao estímulo inicial (leitura) e outras áreas que eram ativadas por uma espécie de nível superior de processamento.
“Surpreendentemente, não encontramos grandes diferenças na ativação do córtex.
É espantoso que áreas similares sejam ativadas durante a leitura de Braille independentemente de as pessoas terem ou não experiência de visão”, afirmou Peter Melzer.
Mas encontraram diferenças intrigantes no comportamento ativador, ou seja, na relação entre a duração da ativação de áreas visuais específicas e a tarefa. No grupo de cegos congênitos, a ativação de uma região no lobo temporal posterior, que está envolvida no processamento verbal fonológico – que ajuda a manter os padrões fonéticos e as regras de pronunciação do discurso – estava mais fortemente correlacionada com a leitura do que estava no grupo com alguma experiência visual.
Por outro lado, no grupo com alguma experiência visual foi observada uma maior correlação entre uma região adjacente, associada com a análise semântica – permite avaliar o significado das palavras – e a tarefa pedida.
Os cientistas especulam que um curto período de visão pode dificultar mais o acesso a certas áreas do córtex visual, depois da cegueira, do que a sua inexistência, o que pode ajudar a justificar o fato de os cegos congênitos tenderem a ser muito melhores leitores de Braille do que aqueles que perdem a visão mais tarde.
O estudo fornece novas pistas para a possibilidade de existir um tipo de imagística mental que não depende da informação proveniente do mundo físico, dado que os cegos congênitos referiram ter associações não-visuais com algumas palavras, e as áreas cerebrais que estão envolvidas no processamento das palavras sugerem que esta imagística não-visual está relacionada com a linguagem.

(Extraído da Rede SACI)