Por Alessandro Pelletti
A primeira relação privilegiada entre um cão e uma pessoa cega perde-se no tempo, mas talvez o exemplo mais antigo seja uma gravura mural presente nas ruínas romanas do século I da cidade de Heculaneum. Vinda da Idade Média, chegou até nós uma placa de madeira, que apresenta um cão preso por uma trela a guiar um cego. No entanto, a primeira tentativa sistemática para treinar cães para guiarem cegos data mais ou menos do ano de 1780 no hospital para cegos Les Quinze-Vingts em Paris. Algum tempo depois, em 1788, Josef Riesinger, um fabricante de peneiras austríaco de Viena, treinou um Spitz Alemão tão bem, que as pessoas, frequentemente duvidavam de ele ser cego. Depois, em 1819, Johann Wilhelm Klein, fundador do Instituto para a Educação dos Cegos ( Blinden-Erziehungs-Institut) em Viena, mencionou o conceito do cão-guia para cegos no seu livro sobre educação de pessoas cegas (Lehrbuch zum Unterricht der Blinden). Infelizmente não existem registos das suas ideias terem sido postas em prática. Em 1847 Jakob Birrer, um cego suíço, divulgou a sua experiência pessoal de ser guiado por um cão que ele próprio treinou durante cinco anos. A história moderna dos cães-guia para cegos, começa durante a 1ª Guerra Mundial, quando milhares de soldados voltaram da frente de batalha cegos por causa do gás venenoso. Um médico alemão, Dr Gerhard Stalling, teve a ideia de treinar um grande número de cães, para ajudar esses soldados. Esta ideia surgiu quando passeava com um paciente pelos jardins do hospital, na companhia do seu cão. Deixou-os por alguns momentos, e quando voltou, teve a certeza de que o seu cão estava a tomar conta do paciente cego. O Dr Stalling começou a estudar várias formas de treinar cães, de modo que estes se tornassem guias fiáveis e, em Agosto de 1916, abriu, em Oldenburg, a primeira escola do mundo de cães-guia para cegos. A escola cresceu, e abriu novas filiais em Bona, Breslau, Dresden, Essen, Freiburg, Hamburgo, Magdeburgo, Münster e Hannover, que educavam 600 cães por ano. De acordo com alguns relatos, estas escolas forneciam cães não apenas para ex-soldados, mas também para pessoas cegas no Reino Unido, França, Espanha, Itália, Estados Unidos, Canadá e União Soviética. Infelizmente, a parceria acabou em 1926, mas nessa altura, apareceu em Potsdam, perto de Berlim, outra grande escola de treino de cães-guia, que teve grande sucesso. O seu trabalho abriu novas perspectivas no treino de cães-guia, tendo permanentemente cerca de 100 cães nas suas instalações e entregando 12 cães por mês. Nos seus primeiros 18 anos, a escola educou cerca de 2500 cães-guia para cegos, com uma taxa de insucesso de apenas 6%. Mais ou menos nesta altura, uma milionária americana, Dorothy Harrison Eustis, já treinava, na Suíça, cães para o exército, polícia e serviços aduaneiros. Foi com a sua determinação e experiência que lançou internacionalmente o movimento de cães-guia para cegos. Quando ouviu falar da escola de Potsdam, Dorothy quis estudar os seus métodos e passou vários meses lá. Voltou tão impressionada, que, em Outubro de 1927, escreveu um artigo sobre a escola para o jornal americano “Saturday Evening Post”. Um cego americano chamado Morris Frank ouviu falar do artigo e comprou o jornal. Mais tarde disse: ” Os 5 cêntimos que paguei pelo jornal permitiram-me comprar um artigo que valia mais de um milhão de dólares. Mudou a minha vida”. Escreveu a Eustis, para lhe dizer que gostava muito de a ajudar a introduzir os cães-guia para cegos nos Estados Unidos. Aceitando o desafio, Dorothy treinou um cão, o Buddy, e levou Frank para a Suíça para aprender a trabalhar com o cão. Ele voltou aos Estados Unidos com o que acreditava ser o primeiro cão-guia para cegos da América. No entanto, está provado, que uma organização italiana, a “Sculola Nazionale Cani Guida per Ciechi” já tinha iniciado a sua actividade em 1928. O sucesso desta experiência encorajou Dorothy a formar as suas próprias escolas de cães-guia em Vevey na Suíça em 1928 e mais tarde nos Estados Unidos. Baptizou-as de L’Oeil qui Voit, ou “O Olho que Vê” (o nome vem do Antigo Testamento “O ouvido que ouve e o olho que vê, o Senhor os fez a ambos” Provérbios, XX, 12). Estas foram as primeiras escolas de cães-guia modernas. Em 1930, duas mulheres britânicas, Muriel Crooke e Rosamund Bond, ouviram falar da “Olho que Vê” e contactaram Dorothy, e esta mandou um dos seus educadores ao Reino Unido. Os primeiros 4 cães-guia ingleses completaram o seu treino em 1931, e três anos depois foi fundada a “Guide Dogs for the Blind Association” (Associação de Cães-Guia para Cegos). Desde essa altura, abriram várias escolas de cães-guia por todo o mundo, e continuam a abrir. Milhares de pessoas viram as suas vidas completamente transformadas pelos cães-guia e pelas organizações que os educam e entregam. O empenhamento das pessoas que trabalham nesta área é tão grande hoje em dia como era há anos atrás, e os olhos que vêem do legado de Dorothy continuam a trabalhar para a melhoria da mobilidade, da dignidade e da independência das pessoas cegas e com baixa visão em todo o mundo. O movimento continua. Alessandro Pelletti Diretor de Adestramento e Cursos. Currículo perto de 2.000 cães já treinados. Ministra cursos para formação de adestradores desde 1997.
Fonte: Canil Dog Master: http://www.dogmasterbrasil.com.br