Estimulados pelo MEC, alunos com necessidades especiais ingressam nas escolas comuns
Matheus tem 10 anos e está na terceira série do ensino fundamental. É um aluno caprichoso, tranquilo, independente e maduro, que se dá bem com os colegas e recebe elogios das professoras. Sua mãe, Gonçala Mendes do Amaral, respira aliviada ao constatar que ele se adaptou muito bem à nova escola. Matheus tem síndrome de Down e há um ano trocou a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo (Apae-SP) por um colégio convencional, por sugestão da própria instituição. “No começo, fiquei muito assustada com a mudança, mas ele se deu bem e se interessa mais pelas aulas agora”, diz Gonçala. Além do curso regular, o garoto faz acompanhamento com profissionais especializados, duas vezes por semana. O pequeno Matheus faz parte de um grupo que, pouco a pouco, está deixando as salas de aulas especiais. Há dez anos, apenas 13% dos alunos com necessidades específicas estavam matriculados em classes comuns. Em 2008 eram 46%. Nesta conta entram crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Esse salto é fruto da política do Ministério da Educação, que defende o fim das turmas separadas. “A proposta de educação inclusiva considera a educação um direito humano universal e defende o respeito às diferenças humanas na prática educativa. Todos podem aprender e cabe à educação proporcionar espaços de desenvolvimento do potencial humano, não reforçar a ideia da limitação”, diz a secretária de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC), Cláudia Dutra. Embora existam muitos programas governamentais com o objetivo de adaptar a rede de ensino aos alunos especiais, a política do MEC não é consenso. Muitos educadores acreditam que a inclusão irrestrita é uma utopia, sobretudo nos casos de crianças com deficiências intelectuais cujas necessidades variam muito de caso para caso. “Educação inclusiva é um grande avanço, mas não acreditamos que seja preciso fechar as escolas especiais, que defendemos para alguns casos e quando for uma escolha da família”, diz Eduardo Barbosa, presidente da federação das Apaes. 98% das crianças com deficiência em países em desenvolvimento não estão na escola Fonte: Unesco Outra dificuldade frequente é a falta de recursos em algumas regiões do País. “Numa cidade do interior, as alternativas são mais limitadas”, diz Barbosa. Na Apae de São Paulo, por exemplo, é muito mais fácil. “Optamos pela inclusão porque temos recursos para atender todos os casos, até mesmo os mais comprometidos”, diz Roseli Olher, coordenadora educacional da Apae- SP. Em 2009, acabam as turmas especiais da entidade.Os alunos estão sendo realocados aos poucos, com ajuda de pais, especialistas em educação especial e professores da rede comum. A psicopedagoga Irene Maluf acredita que o custo emocional da inclusão nem sempre vale a pena. “Existe uma visão maravilhosa da socialização. Mas, na prática, recebo no consultório muitos casos de crianças que não conseguem fazer amigos, mesmo em excelentes escolas. Para cada exemplo bem-sucedido, tem seis crianças que chegam chorando porque não conseguem se adaptar”, afirma. Depois de peregrinar por oito escolas em busca de uma vaga para a filha Mônica, Isabel dos Santos Guimarães teve a impressão de que não conseguiria matriculá-la no ensino comum. A menina nasceu prematura e sofreu uma hemorragia cerebral que causou algumas dificuldades motoras. Com 14 anos, se locomove com cadeira de rodas e, até a quarta série, estudou em turmas especiais da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Na ocasião, a instituição recomendou que a jovem fosse matriculada em uma escola comum. “Cheguei a pensar que não ia encontrar colégio para ela. É muito dolorido ver a discriminação”, conta Isabel. No Colégio Adventista de Interlagos, em São Paulo, além de haver disposição para tornar as instalações acessíveis para Mônica, a coordenadora pedagógica chegou a levar a turma em que ela estudaria para conhecer a AACD. “É um trabalho que tem que ser feito com todos: professores, alunos e funcionários”, diz Sandra Tavares, orientadora educacional do colégio. Especialista em educação especial, Sandra acredita que o principal obstáculo à inclusão é a falta de boa vontade. “Pensar diferente dá mais trabalho, mas é totalmente possível. Seria contra nossa filosofia não aceitar” afirma. No caso de Mônica, a inclusão chegou até as aulas de educação física, as preferidas dela. “A professora pediu para eu levar meus aparelhos e adaptou a aula, para eu poder jogar futebol, handebol e basquete”, conta a garota. Mesmo diante do esforço do MEC, que está investindo em dezenas de programas no tema da inclusão, a formação e adaptação da rede leva anos. “O Brasil avança com muitas dificuldades e não vai ser a curto prazo que vamos atingir um desfecho satisfatório”, diz Marlene da Silva Soares, especialista em educação especial da Universidade de Brasília. É preciso garantir que a inclusão signifique o acesso ao direito fundamental da educação, e não uma experiência dolorosa na vida de alunos e pais.
Créditos: Verônica Mambrini (Revista ISTOÉ – Independente- 27/2/2009)